Surfe deluxe

Quando começa a vida?

9.6.08

Na foto de 2005, os amigos de todas as horas: Edu, Juninho, Cesar, Manga e Guga

Essa era maior dúvida na cabeça dos ministros togados do Supremo Tribunal Federal, durante a discussão sobre a constitucionalidade da Lei de Biossegurança. Santo Agostinho, lá no século quinto, já passava noites em claro por isso.

A tal lei autoriza a pesquisa em células-tronco extraídas de embriões produzidos in vitro. Até então, nenhum problema. A questão é que, para as células serem obtidas, os embriões têm que ser destruídos. Daí, a polêmica: a Igreja considera a fecundação como o início da vida.

Para o designer-surfista Edu Savine, 36, a vida não teve apenas um início.

O primeiro foi nascer nas ondas do Leblon, onde passou bons momentos da infância. Moleque, usava sua força superior à dos amigos para maltratar os lips nada tímidos da área. Tinha um surfe firme, cheio de patadas.

Cresceu, casou, teve filhos e ainda surfava com freqüência quando o acaso bateu à porta. Foi em Itacuruça, num dia de lazer com a mulher e os filhos. Um mergulho num mar não muito profundo lhe rendeu duas vértebras cervicais fraturadas: a C6 e a C7. Tetraplégico. Uma encruzilhada para qualquer um, especialmente para um surfista.

Foi um novo início da vida. Ao lado da mulher, Fernanda, e dos filhos, Edu passou por cima de tudo. Durante a recuperação no hospital, aprendeu com quem vivia em situação pior. Ganhou novos amigos sem perder os velhos. Adaptou-se.

Um dia, meses atrás, os velhos amigos o convidaram para surfar de novo. Dariam um jeito. Afundariam juntos, se fosse preciso. Edu já tinha recuperado parte dos movimentos dos braços, mas teria que descer a onda deitado. "Pô, nunca gostei de bodyboarding, sabe como é...". A pilha dos camaradas falou mais alto que a velha implicância. Amarrado à prancha com um cinturão que fecha com velcro, ele foi levado para o outside de um dia pequeno na Barra da Tijuca. O golfinho era dado em equipe, sob a coordenação do próprio Edu. Depois de algumas tentativas, conseguiu pegar quatro ondas. Entrou no corte e tudo.

Mais um novo início da vida. Edu ficou amarradão, como todo bom surfista, e quer mais. Foi à fábrica da Wet Works, onde conversou com um amigo designer sobre as possibilidades de adaptação de uma prancha à sua deficiência. Em três dias, o equipamento estava pronto.

Dias atrás, ele comemorou outra vitória: a da ciência sobre os dogmas religiosos, no STF. A pesquisa com células-tronco foi liberada e, daqui em diante, cientistas brasileiros poderão encontrar uma solução para o problema dele e de outros cadeirantes. Edu sabe que a cura não virá amanhã, mas comemora a estrada aberta rumo a mais um entre tantos recomeços de vida.

Por enquanto, ele trata de viver. De prancha adaptada, o designer Edu quer agora riscar linhas na onda. E entubar. Não seria esse, afinal, o início de tudo?

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